
Julgamento do ARE 1225185 e a possibilidade de recurso em decisão de Tribunal do Júri que absolve réu por motivo de clemência, piedade ou compaixão
A lei 11.689/2008, relativa ao Tribunal do Júri e outras providências, trouxe ao Código de Processo Penal, em seu artigo 483, § 2 a previsão de que os jurados devem responder a três perguntas: se houve crime, quem foi o autor e por fim, se o acusado deve ser absolvido.
De acordo com jurisprudência pacificada nos últimos anos pelos Tribunais Superiores, ao responder o terceiro quesito, o júri pode absolver o réu sem necessidade de motivação ou sem especificação, independentemente de elemento probatório ou ainda de tese veiculada pela defesa. Nesse caso, fixando-se a absolvição por quesito genérico ou absolvição por clemência.
A jurisprudência havia se consolidado em torno da ideia de que os jurados possuem ampla liberdade para decidir, levando em conta não apenas a prova técnica, mas também fatores emocionais, sociais e éticos.
Em caso concreto de Recurso Extraordinário, no qual o júri votou pela absolvição de um homem ainda que reconhecido que o mesmo havia cometido tentativa de homicídio, pois a vítima teria sido responsável pelo homicídio de seu enteado, o TJ/MG negou o recurso de apelação do Ministério Público de Minas Gerais, baseando-se na soberania do júri.
Já em julgamento do Supremo Tribunal Federal, o ministro Edson Fachin apontou que em seu entendimento a revisão da decisão popular por outro tribunal nessas situações, com determinação de um novo julgamento, não viola a soberania do júri.
Em sessão recente, no mês de outubro de 2024, o ministro Flávio Dino manifestou-se no sentido de que o Código de Processo Penal não veda de forma absoluta a absolvição por clemência. Votaram a favor, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.
Em voto contrário, os ministros Cristiano Zanin e André Mendonça entenderam não ser possível permitir um segundo Júri, pois a absolvição é movida por compaixão e não diz respeito à prova dos autos, mas ao sentimento do jurado em relação ao réu.
Essa vertente admite a possibilidade de recurso somente quando a absolvição se der por pedido de clemência que envolva homofobia, racismo ou a tese da legítima defesa da honra, considerada inconstitucional pelo STF no julgamento da ADPF 779.
A pauta segue em longo debate no Supremo Tribunal Federal, porém cabe aqui destacar que a soberania do júri popular é prevista na Constituição Federal de 1988, com intuito de garantir a independência das decisões populares e ainda que a análise dos fatos expostos em plenário de júri, fique a cargo da sociedade. Sociedade esta que dispõe para apreciar livremente os fatos em sua íntima convicção, fora das provas dos autos.
Diante das circunstâncias expostas também levanta-se o fato de que a lei, qual trouxe a possibilidade de absolvição por clemência, não atrelou a resposta afirmativa a nenhuma condição ligada às teses da defesa.
Tendo em vista a discussão posta em tábua, a qual será objeto de novos debates pelo STF num futuro próximo, concluo que a Suprema Corte deve levar a frente de suas decisões a soberania dos veredictos prevista na Constituição Federal de 1988, a qual assegura que as decisões dos jurados são irrecorríveis. Sendo concedido ao Tribunal, somente analisar os aspectos formais presentes, vedado o incurso nas decisões de íntima convicção do jurado.